"Sim, senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam. Prosterno-me diante delas. Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as. Amo tanto as palavras. As inesperadas." P. Neruda.




terça-feira, 15 de novembro de 2011

Tua lua nossa






Quero me enrolar nas saias da noite
musa de muitos
abrigo de poucos
Quero me enrolar na sorte
de ouvir suspirarem estrelas
Quero você, neste frio,
bourbon, carinho, café.
Quero quente.

Palavras dissipadas
num mundo torto
do qual não fazemos parte
mas que hoje,
é nosso.

Fique. Agora chove.
É tarde para inventar poemas.
Esta noite foi feita
para escrever poesia
nas linhas sinuosas de nossos corpos
pelas mãos do mundo.
Este, de tantas searas,
que nos juntou
nos pôs a postos e dispostos
a harmonizar o barulho de fora
com o motivo da noite:
o encontro sereno entre a lua e os amantes.



segunda-feira, 26 de setembro de 2011

allegro moderato




Em tons de jasmim e escarlate
dançava o sol na varanda
Rabiscos inundavam o quarto
paredes, janela e cortina
Palavras bailando púrpura
pra desinventar solidão
Sombras azuis na parede:
cor e/ou grafias.


sexta-feira, 9 de setembro de 2011

www




Ele escrevia textos sem destino. Não havia dedicatórias, nomes ou lampejos que lembrassem sua musa. Mas ela se sabia lá. Ela os lia todas as noites e adormecia acarinhada de suas palavras. Vestia-se toda com as pequenas estrelas que brotavam dos pontos finais intencionalmente desbotados e que, na verdade, não ensejavam nunca um fim, mas sempre novo começo. Era a comunicação, a ponte invisível entre eles. Não se falavam nunca, como o fazem quaisquer em mesas de bar e balbúrdia, em sofás de sala de estar. Não havia o que dizer diretamente; palavras para dizer de outro assunto que não fosse aquele, implícito, tornavam-se completamente desnecessárias. Sobejavam até. O que importava era repetir eu te amos de todas as formas possíveis, com todas as palavras existentes, num jogo infindável, aberto a todos, mas só pertencente a eles.
Era assim o amor dos dois, dizendo tudo, calando pouco, falando como se fosse ao léu, como se fosse à toa mas não. Letras de amor escancaradas entre ambos, já que as linhas tinham dona. Ela sabia disso, e ele também.
Era assim que conversavam, que se compreendiam. Por entre as linhas e as noites. Linhas à queima-roupa, de rima outra e prosa pouca contando muito. Declarações de amor lançadas no azul, displicentemente esquecidas onde nasceram para estar.


quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Infinito






Procuro-me há anos

Ando em círculos

Arranco, atravesso.

Viajo distâncias intergalácticas

de esquina a esquina.

Descanso, me atraso

Daqui já não me vejo mais.

Torno a me olhar no espelho

há então outro semblante

mais calmo, sereno.

Um rosto novo a me contar

que o meu começo é em mim.

O fim não.

E, por isso, continuo.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Espaços


Vejo um filme
faço um poema
leio, planto bananeira
escorro pela esquina
discorro com a chuva
afago o gato que não tenho
ponho comida pro cão
planejo uma viagem
um trabalho voluntário
um chá de jasmim e anis
suicídio em fim de tarde
(logo eu, que amo a noite).
Roo unhas,
caço pontas duplas no cabelo,
recorto em tiras, meias coloridas.
Rebato palavras não ditas
imagino conversas mal feitas
tento expiar [meus] erros distantes
(como se assim pudesse).
Ouço blues na varanda
enquanto não sei
se pulo, se espero.
Me desfaço em palavras
Rabisco. Escrevo.
Lavo a louça
brinco cores na paisagem
redesenho o fim da tarde.

Meu desejo de pôr qualquer coisa,
à minha volta.
Qualquer coisa
em seu lugar.

.

domingo, 26 de junho de 2011

M.I.



De quando em vez,

Dolorindo-me.

E quando não,

Colorindo-me.



Todos os gerúndios conjugados

No tempo agora-presente-perfeito.

 
 

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Mudanças Climáticas






Mas em cada esquina
Brilha a chuva fina
Na garganta um nó
Cachecol solidão
Mil cores no asfalto
As mãos frias
Coração porcelana
Chuva de lanças
Cortes-vieses vermelhos
Eu pequena, miudíssima
Esmagada pelo poema ruim
E pela imensa vontade de pertencer.


quarta-feira, 1 de junho de 2011

Tecidos Breves





 
Rasgo o cetim azul n’onde outrora me enredei. O casulo já não serve ao coração. Frações de anil em forma de mil centelhas de paixonite, bailam agora um balé roto, mambembe. Não que não belo; talvez, indesejado. Belo, ainda assim. O coração dilatou e nele cabem agora, mil agulhas. Na cabeça, o cansaço de tentar coser com linha fina, delicada demais, retalhos, aparas, pedaços que não se juntam, que não se fixam, que não querem ficar. O coração danado, roto, perfurado e com fome, ainda é meu. Amanhã cedo, outrora, outra aurora, vou ao armarinho da esquina; compro lantejoulas e fitas coloridas. Costurarei com cuidado, coração, suas sendas; as acariciarei leve com os dedos, e sussurrando canções de ninar, botarei entre as farpas fitas de Nosso Senhor do Bonfim. Cosê-las-ei com algumas lágrimas, um pesar sincero e a solidão da magnólia de Matisse. E seguirei em frente, como seguem quase todas as mulheres do meu tempo: atravessando caminhos de cetins ora brilhantes, ora desfeitos. Amanhã, hei de preparar meu coração bonito de novo. Mas hoje, ah, hoje doer é preciso. Amanhã enfio em meu peito roupa de festa, o melhor perfume, exibo a jóia que é. Mas por esta noite, que pode ser esta ou mil em uma dessas, segue meu coração esfarrapado, de novo, em novo desalinho.

terça-feira, 26 de abril de 2011

In[perfectos]


Era pra dizer da pele, amor,
era pra contar do sorriso,
das noites insones pensando e se.
Era pra dizer do bourbon ruim
de um gole só, pra afogar a saudade.

Era pra falar da poesia.
Aquela originada
pela tua falta
pela tua procura
pela tua ausência em demasia.

Era pra abraçar longo e perto
tornarmo-nos brisa e centelha
enumerar de quantas galáxias,
quantos sóis de primavera,
quantas tempestades precisamos
para chegar até este pub insólito
nessa musical viela londrina.

(Não tão sãos,
mas dispostos a ser salvos.)

Era pra mostrar as pontes
das quais nos atiramos mil vezes
achando que o tal Amor não viria.

Mas o gim do dry martini era pouco
e havia volume faltando no jazz.
Humanos de corações imperfeitos
transpassados por flores e espinhos.
Indesculpáveis que somos,
perdemos tempo
falando do tempo.

Esse mesmo que passou,
enquanto choviam-nos setas
E enquanto o amor
esse bandido, de arma em punho,
e fugas mais fantásticas que as de Houdini
escorria-nos, lépido, pela esquina.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Maratona de Folias*

.
.
Sobrevivência


Anotações após o espetáculo "Medida por Medida".

Não dividam o mundo
entre mocinhos e bandidos.
Não extingam, sobretudo,
os maus.
(Neste mundo intratável,
os bons têm sempre
um macete ou dois
a aprender com eles.)


Dor de Dente


Anotações após o espetáculo "Nunzio".

Algumas pessoas
são doces demais.
Dóceis demais.
Conversas débeis e senões,
corações vermelhos, ansiosos,
o músculo tenso, pulsado como louco.
Certas doçuras
desmantelam e oprimem.
(Haja ópio.)


Lado a lado


Anotações após o espetáculo "Medéia".

Todo mundo julga
Todo mundo acusa
Violência dá ibope
Já nos saraus vai pouca gente.

Mesmo assim, senhores,
Apostas!
Minhas fichas, na poesia.

(Porque o mundo agora dorme.
Mas eu acredito
é nele desperto.)


Cordial


Anotações após o espetáculo "A Dócil".

Verter do frágil
pode causar falta fatal de lisura.
Arquétipo mortal de candura:
na áspera vertigem dos dias
há que se ter atrito
entre a alma e a vida
há que se queimar
reinventar o fogo.

Há que se saber
das ranhuras-escaras,
fazer fricção:

entre a fé e a coragem,
entre o acerto e o não,
entre o pavio e a centelha,
entre a terra sob os pés e, às vezes,

a inesperada falta de chão.



*Mostra "O Homem Cordial", do Grupo Folias.



quinta-feira, 7 de abril de 2011

transamazônicas





Após assistir à peça "As Folhas do Cedro", de Samir Yazbek.



Vou escolher a estrada
não pelo seu fim.
Ilusões e passarinhos!
Flores e heróis, monstros-moinhos!
Vou escolher a estrada
pelo durante: o caminho.

Vai que eu a escorro toda
me dano, me canso,
e ela não tem fim.

Vai que ela tem,
e o fim dela
é antes de mim.

quinta-feira, 31 de março de 2011




Mimo de alguém que aMU e tanto!...que nem sei quanto.


quarta-feira, 16 de março de 2011

Dos meios, dos extremos





Você reclama dos voos: muito altos, rasteiros demais, vezenquando vales imensos de planície árida e inabitada. Nunca ouvi, entretanto, você dizer que queria devolver as asas. Isso é bom. Para mim, ao menos, que penso e sinto igual.
Sim, é essa a imagem: você me pensa como figura alegórica alva, branda, suave, ave em voo pleno, sustentação perfeita dividindo o céu e a terra, braços em balé delicado a singrar o ar e as durezas pontiagudas dos topos. (Sim, também podem ferir).
Mas veja. Assim como nós somos relativos*, também o é a visão ao ter, incidindo sobre ela, dentre tantas nuances, o viés da distância: é a distância entre nossos olhares o que te poupa dos meus abismos derradeiros e voos intergalácticos, sem bússola ou capacete. Você não conhece em verdade, meu planar de asas em meio à dor (sim, eu: planador), nem o sonoro zunido de mil lanças quando tenho pressa de chegar a algum alto mais alto que outrora. Nessas minhas intempéries, a sustentação no ar, você não me imagina: haja fôlego, pétalas aladas, coração. Não, não há rosa-dos-ventos, tampouco um norte possível. Não se engane comigo – ou engane-se, se quiser-, mas adianto: o “planar” no qual me sentes só pode ser visto à margem daquela foto antiga, de há quatro ou cinco anos, em meio a biscoitos de doce de leite, jacarés e cachorros com plumas.
Às vezes, plano sim. Em épocas de desencanto, ou cansaço. Às vezes, na falta sufocante de alguma energia motriz. De uma vontade maior para subir ou coragem menor para descer.
Às vezes, plano sim. Mas, assim como você, por trás do olho persigo é o intento perene: uma vida de intensidades, na qual asas me sejam úteis, e não mera alusão a anjos, pássaros, figuras mitológicas.
Às vezes, plano sim. Mas voos planos são casos incidentais no meu plano de voo.

Quero passear por entre estrelas do céu, e do fundo do mar.



*Que o Tempo Relate

A réplica (ou: conversa de doidos): aqui.

terça-feira, 8 de março de 2011

Que o tempo relate






Tempo é verniz.
Camada que protege da luz,
da incidência d’água
do calor excessivo.
Às vezes, é cura completa.
Noutras, apenas anestesia.
Pode também ser causa,
a própria doença.
(Como telefones que não tocam).
Tempo é água em que se diluem
a mágoa, o tédio, a memória.
É pedra na qual se esculpem
flores, animais, objetos inanimados.
Tempo é miopia protetora.
Pode também ser lupa poderosa.

De tempos em tempos subvertida
já me vi budista, gótica, fã da Shakira, comunista, controller, puta, santa, quase conformada.
(Hoje ouço Nina Simone).


O tempo não é relativo.
Nós é que somos.


segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Circus Parking





Seu Benedito
tem uma mágoa: não entender.
Culpa a tudo e todos por isso:
à promiscuidade do carnaval
à vida difícil do trabalhador
aos que têm e não dividem
ao trânsito, aos jovens sem rumo
às condições climáticas da segunda-feira.

Seu Benedito
calejou os olhos e o coração aberto.
Não sabe mais ver além do olhar-comum.
Não percebe as cores entre a fuligem,
ou o sorriso sincero de um viajante.
Não é culpa dele. (Ou é?)

Seu Benedito
não mais vê
que há certas belezas da vida
por trás da selva, do cinza, da relva.
Que estão lá, apesar de qualquer pesar,
para quem tiver olhos e coragem de olhar.

Às vésperas do carnaval,
Seu Benedito só vê as cinzas
da quarta-feira que ainda virá.

.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Hagıa Sophıa





Fosse um sonho bom

e não serıa melhor:
Istambul é o berço
de todas as cores.

Noıte frıa e dança típıca.
'A base de narguılé
pensatıva que sou
me perco em fumaça

É de mım:
por um lépıdo
(mas exıstente ınstante)

Es
      tou
               blue.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

In[tento]





Moro na nuvem mais alta.

viver
é entre a queda e o chão:

o voo.

(O mundo
de ponta-cabeça;
do lado certo
eu caio,
eu subo)


Minhas asas assim:

de experimentação.