"Sim, senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam. Prosterno-me diante delas. Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as. Amo tanto as palavras. As inesperadas." P. Neruda.




quarta-feira, 18 de agosto de 2010

lllllllll
Gris





Desço as escadas que dão para a rua fria. Respiro e sinto: a noite é negra como o quê. Perambulo, invento esquinas com personagens insensíveis ao meu desencanto. Todos eles têm mesmo semblante cinza, bochechas pálidas, de um branco sujo. Me recupero no ar gelado, respiro fundo e por instantes tenho certeza de que aqui, há pouco tempo, jazia um coração. Não sei para onde é que foi. Chuto pedrinhas no meio-fio, concreto cinza e grafite: me pareço. Atravesso a ponte e o que vejo são sombras raras, de complexo vislumbre, talvez vestígios de certa solidão: meus irmãos. Olho ao longe, levanto a gola do casaco. Minhas botas são negras, minha roupa, o vento que por mim transpassa não conta nada, a não ser silêncios de lugar qualquer, perdidos derradeiramente. Carros escuros, horizonte em tons de grafite, olhos negros (não os meus), o mundo em nuances opacas. Carrossel em preto e branco. Coração é da cor e pesa: chumbo. Anjos caídos, de longas asas prateadas espreitam-me com olhar paciente, resiliente. Seus olhos são expressivos, mas seus silêncios, mais. Passeio enleada ao pensamento absorto, criando objetos inúteis no meu retrato pintado de não-cor.

Estou presa a essa aquarela mono. Falta um triz. Um eu te amo pra eu enxergar. Um eu te amo, entretanto, que me salve desse chão sujo. Pupilas dilatadas à espreita de azul.


quinta-feira, 12 de agosto de 2010

jhjhjhjhj
Sugestão


 



O peito é forte,
agüenta enxurradas.
Convém sentir.
O medo é grande,
vislumbra fantasmas.
Convém seguir.
A procura é farta
o encontro, nem tanto.
Convém tentar.
O amor é doce
a chama, por vezes,
salgada.
Convém ter fé.
Estrelas e suas pontas
brilham, apesar de.
Convém ousar.
Cansaço e certo abandono
punhos ensaiam cerrar-se.
Convém respirar.
Lua à espreita do gesto novo,
de cada silêncio escrito,
de todo instante findado.
Convém agir.
Sonhar baixo, ressentir,
esquecer da busca,
desistir.
Não convém.

Apertar o passo,
afrouxar o laço?
Ceder espaço.
Convém discernir.
Se há outra vida,
se esse é o caminho,
pra onde dá essa porta,
convém (ou não) questionar.
Se aurora é noite ida,
amanhã, fina promessa,
Vida, assim um estalo.


Convém não pensar.


Agora,
nesta hora nossa
de toque liso e fosco,
convenhamos:
nada mais convém

senão

me amar.