"Sim, senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam. Prosterno-me diante delas. Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as. Amo tanto as palavras. As inesperadas." P. Neruda.




terça-feira, 28 de agosto de 2012

Untouchables






Inocente como eu, você também acreditou na previsão do tempo quando disse que faria frio. Agora sei que você daria uma péssima cartomante: o frio chegou com três dias de atraso e estragou meu modelito. Quiromante de quinta, não me contou tudo que leu, eu sei. Leu entretanto, outras linhas incertas, percorridas em mim: na palma das minhas mãos, na conversa adentrando o adiantado da hora, na pouca distância entre nossos sorrisos. Entre nós.
Sim, a felicidade é fortuita. Espoca em pequenos gestos, em grandes viagens, numa música, num sabor, numa tarde fria de cinza-fosco e bons acontecimentos. Ela espia por entre as frestas do que somos, do que sentimos; ela espreita da somatória insana das nossas decisões tão precisas quanto uma roleta-russa. Felicidade não cabe: aprende-se a dar espaço a ela, para que apareça, para que germine, para que se faça. É assim ou então o medo. O descompasso. O desperdício dos dias, dos risos, do que somos e do que, tão logo, não mais seremos. Felicidade descende de um ato de coragem, de um arroubo, de uma quase insanidade do ponto de vista de quem se fia em probabilidades.
Mas ela não está aqui para provar nada. Não está aqui para isso. Não está nem aí. A felicidade verte mesmo é da nossa falta de cuidado.
O frio que você previu se fez hoje. E pelo jeito fica um tempo. Já a felicidade não sei até quando. Sei que por enquanto, neste canto, permanece.