"Sim, senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam. Prosterno-me diante delas. Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as. Amo tanto as palavras. As inesperadas." P. Neruda.




segunda-feira, 25 de junho de 2012

vitória ou derrota?





olho o casal de velhinhos no cinema. ela jogando paciência no celular e ele, um jogo de corrida. depois de trocentos anos juntos, nenhum silêncio é desconforto. não há mais necessidade de conversar o tempo todo. há um equilíbrio em cada um jogando seu joguinho, lado a lado, no escuro. paz. depois de um tempo ele para e ajuda ela pacientemente com a paciência. cuidado. me vêm, então, a dúvida de sempre: quando a menina-deliciosa-de-19-anos quis mostrar sua foto de biquíni fio-dental, ele resistiu? ela perdoou? descobriram uma forma de ele não ter que resistir para ela não ter que perdoar? porque depois de tantos anos juntos, com certeza houve pelo menos uma menina-deliciosa-de-19-anos para cada um dos dois… mas qual a importância dela em relação a importância deles? um filme começa e acaba só para trazer mais dúvidas: “Apenas uma noite” lembra que há relações que não acabam só porque queremos que acabem. não acabam com distância, tempo ou cisma. seguem, assim, sem ser o que eram e sem deixar ser o futuro em paz. um meio do caminho. isto talvez tenha muito mais importância do que uma menina-deliciosa-de-19-anos. algo inacabado, inacabável, inabalável. será que os velhinhos saíram de mãos dadas no escuro?





“Precisa-se”





Sendo este um jornal por excelência, e por excelência dos precisa-se e oferece-se, vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria. É urgente pois a alegria dessa pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até parece que só se as viu depois que tombaram; precisa-se urgente antes da noite cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga depois que passa o horror do domingo que fere. Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em drama. Implora-se também que venha, implora-se com a humildade da alegria-sem-motivo. Em troca oferece-se também uma casa com todas as luzes acesas como numa festa de bailarinos. Dá-se o direito de dispor da copa e da cozinha, e da sala de estar. P.S. Não se precisa de prática. E se pede desculpa por estar num anúncio a dilacerar os outros. Mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.

(Clarice Lispector)