"Sim, senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam. Prosterno-me diante delas. Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as. Amo tanto as palavras. As inesperadas." P. Neruda.




terça-feira, 27 de março de 2012

Sincera


Às vezes é preciso
um poema curto
pra deixar o dito
pelo não tido

dizendo tudo.


segunda-feira, 26 de março de 2012

Matiz




Às margens da cor azul,
verde e amarelo ressonam
roxo esquenta mais do que esfria
meu cobertor de infância
Bege não gosto, cor de lesma,
Marrom é quase preto
E doce é cor e cheiro de abóbora.
A boca é pink maravilha
embora às vezes carmesim,
ruminando impropérios
cor-de-burro-quando-foge.
Pincelando lado a lado
bordas de céu 
no fim da paisagem
sobra um dourado que
só sabe quem já viu
pôr-de-sol em caleidoscópio.
O branco dos sinais de paz
fica bem esvoaçando rendas na janela
e em nada mais. É uma cor cansada.
Laranja! Lá dos pomares
de argila ocre de Padre Nóbrega.
O verde das palmeiras oscila prata e cinza.
Azul sonoro de uma certa baía nipônica.


Longe léguas, distingo bem:
este vento cor de saudade
reflete e dança na cor dos meus olhos.



quinta-feira, 22 de março de 2012

Do silêncio pensamento em desalinho






Este silêncio
Rasga o papel como se fosse
Pedra, mão valente
A romper cuidados, sensíveis notas,
Perfumes omissos
Inerentes cuidados
Eu, que sempre fui,
Como suportaria mais, não ser?
As horas espalham-se
Como folhas de um caderno roto
Vendaval no meio da sala
No centro do peito
Nas quinas da alma.
Talvez por descuido.
Talvez por outono.

O que eu queria ter escrito
É este meu grito sem voz
Deposto com violência,
Atônito, denso,

Sinceramente sentido.


quarta-feira, 21 de março de 2012

Por que poesia - ou "desabafo"





O poeta
precisa descobrir alento no que faz.
Porque poesia dói.

O poeta
precisa descobrir a nota, a rima.
Porque poesia dança.

O poeta
precisa descobrir o tempo,
porque poesia voa
e precisa descobrir o vento,
porque poesia paira.

O poeta
é um descobridor de desnecessidades.
as mais ínfimas, as sem valor,
as que não mudam o mundo em nada
não diminuem a fome, a sede, o desamor.
Aquelas pelas quais não se paga vintém.

O poeta
é um descobridor
que precisa escrever
para calar inquietudes
esmiuçar vicissitudes.
Descobrir para si o óbvio.
Um descobridor
que anseia palpar em versos
o tudo, que a visão não alcança,
e que só não precisa descobrir
porque, cargas d’água, poesia.


terça-feira, 20 de março de 2012

El Valle de La Luna





Adoraria morar no deserto.
Lugar sem paredes, sem muros...
(sem energia elétrica também.
E que eu, que sou vaga-lume,
não imagino a minha vida sem.)

A luz que me habita,
vezenquando alumia léguas
noutras escurece trevas
ambientes amplos,
de qualquer tamanho
a qualquer distância.
Por que sou humana
minha luz oscila e,
mesmo quando negra,
não me nego:
sou eu ainda, escurecida.

Adoraria morar no deserto.
Mas a luz que me habita não é minha
e quando ela sai, tenho medo
da mesma solidão que outrora
me faz tão bem companhia.