"Sim, senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam. Prosterno-me diante delas. Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as. Amo tanto as palavras. As inesperadas." P. Neruda.




sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

2011






E então é. É fim, é início, é ciranda. Então é uma festa, um novo desejo, um novo fim velho. Eu prometo não beber, parar de fumar, de dizer palavrão. E então é tempo de promessa nova e de perjúrio antigo, daqui a pouco. Ou não. É tempo de dar conselhos e ouvir decretos de que daqui pra frente, ah!, daqui pra frente. É hora de desejar bem, sem olhar a quem, de renovar, de reiterar, ratificar. É chance percebida de recomeçar (podia ter sido ontem; ou amanhã; mas escolhamos um dia, então. Instauremos um rito). E então é. É tempo de bons augúrios, fantásticas esperanças, os melhores auspícios e combinações de boa sorte, paz e sucesso. É hora de recolher cacos, de relembrar presentes. É tempo-pretexto para esquecer dissabores, ressaborear conquistas, cindir talvez, um estado de espírito. Ou não.
É tempo de reaproveitar. Á água, resíduos plásticos, o coração partido mas que ainda sente; a esperança enfastiada, que ressona entre a descrença e o tédio. Reciclar: os ambientalistas têm razão (mas confesso: adorei o ar condicionado instalado esse ano, no meu quarto).
É hora de agradecer o bom. E o ruim, porque aprendemos. É cliché, mas verdade (e me ensine, se você conseguir; de coração). E então é tempo de tilintar taças, cintilar novos olhares para o já visto.
E então é outro ano. Com certeza haverá enchentes, e seus desabrigados. Com certeza ocorrerão bons momentos, prêmios de consolação, conquistas verdadeiras, vitórias almejadas. E então é a vida. Sendo.
E embora a sensação ilusória de recomeço datado possa ser mais confortável que a consciência de reinícios infindos, silenciosos e sem queima de fogos, é cíclico, mas perene, o que nos move.
O ano de hoje é velho. Um outro amanhã tem início. “Mas o coração continua”.


VIVER É BOM. FELIZ ANO NOVO.


terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Poema para eternizar um amigo







Nunca nos falamos.
Mas nos entendemos.

Quando ele se foi, há dez anos,
(éramos tão jovens!...)
Quando amores se foram,
Quando amores novos chegaram
Quando da descoberta de alegrias comezinhas.
Seu olhar de bola de gude
Rabo enlouquecido a contar da falta.

Andamos na neve.
Subimos montanhas,
mudamos de casa,
de país,
de físico,
de sentimento.
Mas permanecemos juntos.
Catorze anos, meu amigo.
E eu ainda acho cedo.

Vou sem ti, agora.
Obrigada, por trilhar esse trecho comigo.
Vai agora, correr outras paisagens.


segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Andanças (breve registro)

Brasília (27/11)


De novo pra lá, só se for como faz a maioria: com o dinheiro dos outros.





Rafting em Brotas (04/12)


Sou bicho de piso frio e ar condicionado. Fora do meu habitat, atraio muriçocas e remos endoidecidos. (Coleciono manchas azuladas.)





Serra Negra (12/12)


Sou a primeira pessoa na história da humanidade que se machuca sendo mordida por um filhote de pônei. (Aumento a coleção.)


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Wonderful Circus




O mundo
de chicote e cadeira em riste

- não é assim que se doma nossa alma -

É assim, no máximo,
que se controla a nossa espera.

(Nos curvamos sim,
aos beijos, às vezes,
às tempestades.)

Mas o mundo,
esse não nos compreende.

(Pudera.
Nem mesmo nós, a nós.)

Em troca do truque,
a recompensa:
parecer-nos.

Graças a Deus,
sem ser.

(Mas... até quando?)




sexta-feira, 19 de novembro de 2010

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Sobre amor, formas e sobras disformes







Carlos não queria mais amores possíveis
não queria mais amores prováveis
não queria mais amores apropriados
aplicáveis
condizentes
aclimados
concordes
adaptados
mais que bem ajustados.


Carlos desejava profundamente
o amor que embaraça
que deforma o peito
que dá forma à alma.
Amor que
em noite de brisa boa
pousa desajeitado na cena.
Amor que atrapalha planos
com rebarbas morrudas, arestas,
antenas longilíneas.

Amor daqueles que,
em caixa de maiores tesouros
ou porta-joias de bailarina exata,

não cabe.



segunda-feira, 25 de outubro de 2010

d’urgence



Não sei esperar com paciência. Não tenho essa desenvoltura. Não sei olhar o tempo e saber que tudo tem seu tempo. Olho o relógio, que parece-me absurdamente errado. Quisera eu ter outro ritmo, entender o ritmo das coisas que vão além de mim. Você demora a chegar. São tantos dias, serpenteados por tantas noites, que eu já não sei quanta falta, quanta aurora pra um dia de paz, sossegada em teu peito. Meu querer sussurra um desejo, uma fome.
E acontece que eu canso e desisto de um tudo. E, como Drummond, sei que não me ama mais, que nunca me amaste em verdade. Sou tão urgente, amor. Falta freio, uma parada, uma placa de aviso, um olhar de soslaio. Não quero esperar, amor. Nem pelo dia certo, nem pela hora exata, o feriado, a conjunção dos astros, a combinação de agendas. Não quero ser comedida, ser sensata, madura, saber esperar, aprender a amar de longe. Quero ser a doida, a insensata, a dos solavancos, a dos desvarios. Não ambiciono mais a alva paz dos sentidos.
Passo uma vida me aplainando, aprendendo a me moldar na minha dissonância. Gasto cem anos aprendendo a oferecer a outra face, mil anos para entender tempestades, a eternidade lapidando a jóia em meu peito.
Mas amar, amor,
amar
é sempre
pra ontem.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Além de aqui








Adoro a maneira
como desadivinhas meu corpo
na ponta dos dedos.

Mosaicos recônditos
serpenteados por tuas mãos.

Tuas digitais entretanto
vão se desenhando em mim
por caminhos abstratos,
ironicamente os quais,
somente com os dedos,
não tocas.
i
i
i

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

lllllllll
Gris





Desço as escadas que dão para a rua fria. Respiro e sinto: a noite é negra como o quê. Perambulo, invento esquinas com personagens insensíveis ao meu desencanto. Todos eles têm mesmo semblante cinza, bochechas pálidas, de um branco sujo. Me recupero no ar gelado, respiro fundo e por instantes tenho certeza de que aqui, há pouco tempo, jazia um coração. Não sei para onde é que foi. Chuto pedrinhas no meio-fio, concreto cinza e grafite: me pareço. Atravesso a ponte e o que vejo são sombras raras, de complexo vislumbre, talvez vestígios de certa solidão: meus irmãos. Olho ao longe, levanto a gola do casaco. Minhas botas são negras, minha roupa, o vento que por mim transpassa não conta nada, a não ser silêncios de lugar qualquer, perdidos derradeiramente. Carros escuros, horizonte em tons de grafite, olhos negros (não os meus), o mundo em nuances opacas. Carrossel em preto e branco. Coração é da cor e pesa: chumbo. Anjos caídos, de longas asas prateadas espreitam-me com olhar paciente, resiliente. Seus olhos são expressivos, mas seus silêncios, mais. Passeio enleada ao pensamento absorto, criando objetos inúteis no meu retrato pintado de não-cor.

Estou presa a essa aquarela mono. Falta um triz. Um eu te amo pra eu enxergar. Um eu te amo, entretanto, que me salve desse chão sujo. Pupilas dilatadas à espreita de azul.


quinta-feira, 12 de agosto de 2010

jhjhjhjhj
Sugestão


 



O peito é forte,
agüenta enxurradas.
Convém sentir.
O medo é grande,
vislumbra fantasmas.
Convém seguir.
A procura é farta
o encontro, nem tanto.
Convém tentar.
O amor é doce
a chama, por vezes,
salgada.
Convém ter fé.
Estrelas e suas pontas
brilham, apesar de.
Convém ousar.
Cansaço e certo abandono
punhos ensaiam cerrar-se.
Convém respirar.
Lua à espreita do gesto novo,
de cada silêncio escrito,
de todo instante findado.
Convém agir.
Sonhar baixo, ressentir,
esquecer da busca,
desistir.
Não convém.

Apertar o passo,
afrouxar o laço?
Ceder espaço.
Convém discernir.
Se há outra vida,
se esse é o caminho,
pra onde dá essa porta,
convém (ou não) questionar.
Se aurora é noite ida,
amanhã, fina promessa,
Vida, assim um estalo.


Convém não pensar.


Agora,
nesta hora nossa
de toque liso e fosco,
convenhamos:
nada mais convém

senão

me amar.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

déjà-vu





Noite alta. Venta.
Eu, quase plena.
Eu, mais que eterna.
Passo rápido.
Seguem-me
o desejo afoito
o olhar despido
a sombra densa, dançante.

Eu, olhos nas luzes
carros, tinta fresca na faixa
momento perfeito
de extremidades convexas.

Um suspiro sôfrego.
Leve, quase alada,
periga eu morrer de tudo.
Vivo, entretanto. Entre tantos.

O universo por dentro é sempre o mesmo.
Nós, universos mais rasos,
 
não.



terça-feira, 27 de julho de 2010


Congonhas




Ladeira vista do alto,

Profetas me fitam.

Inteiros corações de pedra-mole-sabão

insígnias da mais alta conta

séculos de história e paixão.

Eu, sem bússola ou esfera armilar

sem papiro

nem baleia de estômago climatizado.


Olhos inquisidores:

“Com o que sonhas, mera mortal?”


Digam vocês.

 
 

segunda-feira, 28 de junho de 2010



[in]parcimônia





Falar demais

Sentir demais

Criticar de menos

Aceitar demais

Conhecer demais

Conhecer de menos

Amoldar-se menos

Contemplar mais

Menos pensar

Não menosprezar

Prezar demais

Muito pouco da coisa escapa.

Tudo que vem abarca a demasia.



O amor tem dessas

destemperanças.




terça-feira, 15 de junho de 2010


boring






Falar de quê?
Tudo, parece,
Já foi dito.
Melhor calar.
Ver passar.

Adormecer.



segunda-feira, 17 de maio de 2010



roaming






É uma ligação. Tem de se dizer algo. Compartilhar silêncios é brinquedo para perto . Há um desejo de não desligar. Gosto tanto de você, mas não sei o que dizer. A meteorologia erra. E se eu te contar da chuva,você sair de capa e não chover? É que eu disse pra você acreditar sempre em mim.

Eu não tenho assunto, mas tenho saudade. Porque o que quero lhe dizer não são palavras, são antes, desmotivos de um coração inquieto. Eu não tenho o que contar. Não por telefone. É que dentro de mim, ecoam uns sinais de alerta, prenúncios gerados pela fragilidade que se encerra nos desejos profundos de acerto; querer acertar é estar à beira do abismo do erro, eu sei. Eu te contei na outra noite esse meu pensamento, mas você, igualmente, já sabia. Posso perguntar se você sentiu a minha falta, mas a verdade é que não importa. Importa é te saber ali, ao fone. Você, materializado em minhas mãos. Não desligue ainda. A sua respiração me conta dos poros, das seivas, da respiração do outro lado da linha. É que se você desligar, nossos silêncios serão novamente apartados pela distância e voltarão então a ser só o que parecem, silêncios. Mas o que eu queria dizer mesmo, para resumir essa longa ligação, é do quanto me calo, por querer dizer tudo o que as palavras não expressam. Por querer dizer que gosto de você tanto quanto é possível. Você está em mim entre cada porção de matéria que há entre o tudo e o nada. Mas como eu disse, para o que eu quero dizer não há palavra.

Desliga então, amor. Estou descendo as escadas. Vou te contar com beijos o que as palavras, por não saberem como fazer, segredam.




terça-feira, 11 de maio de 2010

désir





Língua na orelha excita.

Dedo excita.

Saliva, a língua.

Umbigo,

teus pêlos.

Sussurro.

Amor excita.




segunda-feira, 10 de maio de 2010

Incauta




Por você corro todo o risco.

Corro-o inteiro, de ponta a ponta.

De maneira pueril e afoita

Desde que a lua não passe

Teu calor não tarde

E a tal linha-risco-rabisco

Seja sempre

Mais doce que simétrica

Mais cor que esse azul

Mais infinita que o perigo de amar.



sábado, 8 de maio de 2010

Sobre o que quero contar




Quero comentar o que vai na paisagem. O que fica por baixo, por trás e fora dela. Esse ano fiquei prolixa. Caibo menos em versos que outrora. E se por um lado, o verso curto me abandona, por outro ainda sobeja o sentimento. Mas esse ano – que coisa – estou prosa. Não só prosa, é verdade mas, mais prosa. Esse ano estou é louca. Cabendo pouco no meu cenário. Mas minha convenção neste presente é estar liberta, desperta. Que me venham novos momentos, água por cima e por baixo da ponte; me sei presente e o que faço agora é sentimentear palavras. Quero escrever, deixar expresso. Quero, através da rota escrita, voltar a brincar de ser perene.
É que escrever, sempre termina por me alinhar com o infinito.



quinta-feira, 6 de maio de 2010

2010






 

O universo manda reformular paisagens.



 

quarta-feira, 5 de maio de 2010

2009






Estive um ano fora. Ruas, estradas, todas elas me levaram para fora de mim. Percorri distâncias enormes e ao fim, o que encontrei fui eu, insone e dispersa, quase assim vencida, quase assim fingindo. O tilintar dos copos não anunciava mais brindes mas sim, mais uma noite sem poesia. Da lida, distanciou-se o poema, a forma, o espanto e o que em mim, me diferenciava. Aprendi certas verdades inúteis, apreendi certas vontades vazias. À espreita, nas esquinas escuras da linda São Paulo, Nietzsche me dizia que eu não morreria. Acreditei nele e hoje estou aqui, mais forte. Entre as rochas, surgiram sim algumas flores, e destas, brotaram sementes: sou terra fértil. E agora, quase estranha à folha branca de papel, me pego tímida, pouco afeita ao sentir. Estive um ano fora. Trago histórias para contar. Algumas não conto por agora; deixo em descanso, para que fiquem mais belas com o passar do tempo, com o retoque perfeito que a lembrança dá a certas passagens, certas paragens. Estive um ano fora. E eu não sei quem vence em mim, se o dia manso ou a noite escura, mas de mim não fujo:

de mim, não saio mais.