"Sim, senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam. Prosterno-me diante delas. Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as. Amo tanto as palavras. As inesperadas." P. Neruda.




terça-feira, 26 de abril de 2011

In[perfectos]


Era pra dizer da pele, amor,
era pra contar do sorriso,
das noites insones pensando e se.
Era pra dizer do bourbon ruim
de um gole só, pra afogar a saudade.

Era pra falar da poesia.
Aquela originada
pela tua falta
pela tua procura
pela tua ausência em demasia.

Era pra abraçar longo e perto
tornarmo-nos brisa e centelha
enumerar de quantas galáxias,
quantos sóis de primavera,
quantas tempestades precisamos
para chegar até este pub insólito
nessa musical viela londrina.

(Não tão sãos,
mas dispostos a ser salvos.)

Era pra mostrar as pontes
das quais nos atiramos mil vezes
achando que o tal Amor não viria.

Mas o gim do dry martini era pouco
e havia volume faltando no jazz.
Humanos de corações imperfeitos
transpassados por flores e espinhos.
Indesculpáveis que somos,
perdemos tempo
falando do tempo.

Esse mesmo que passou,
enquanto choviam-nos setas
E enquanto o amor
esse bandido, de arma em punho,
e fugas mais fantásticas que as de Houdini
escorria-nos, lépido, pela esquina.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Maratona de Folias*

.
.
Sobrevivência


Anotações após o espetáculo "Medida por Medida".

Não dividam o mundo
entre mocinhos e bandidos.
Não extingam, sobretudo,
os maus.
(Neste mundo intratável,
os bons têm sempre
um macete ou dois
a aprender com eles.)


Dor de Dente


Anotações após o espetáculo "Nunzio".

Algumas pessoas
são doces demais.
Dóceis demais.
Conversas débeis e senões,
corações vermelhos, ansiosos,
o músculo tenso, pulsado como louco.
Certas doçuras
desmantelam e oprimem.
(Haja ópio.)


Lado a lado


Anotações após o espetáculo "Medéia".

Todo mundo julga
Todo mundo acusa
Violência dá ibope
Já nos saraus vai pouca gente.

Mesmo assim, senhores,
Apostas!
Minhas fichas, na poesia.

(Porque o mundo agora dorme.
Mas eu acredito
é nele desperto.)


Cordial


Anotações após o espetáculo "A Dócil".

Verter do frágil
pode causar falta fatal de lisura.
Arquétipo mortal de candura:
na áspera vertigem dos dias
há que se ter atrito
entre a alma e a vida
há que se queimar
reinventar o fogo.

Há que se saber
das ranhuras-escaras,
fazer fricção:

entre a fé e a coragem,
entre o acerto e o não,
entre o pavio e a centelha,
entre a terra sob os pés e, às vezes,

a inesperada falta de chão.



*Mostra "O Homem Cordial", do Grupo Folias.



quinta-feira, 7 de abril de 2011

transamazônicas





Após assistir à peça "As Folhas do Cedro", de Samir Yazbek.



Vou escolher a estrada
não pelo seu fim.
Ilusões e passarinhos!
Flores e heróis, monstros-moinhos!
Vou escolher a estrada
pelo durante: o caminho.

Vai que eu a escorro toda
me dano, me canso,
e ela não tem fim.

Vai que ela tem,
e o fim dela
é antes de mim.