"Sim, senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam. Prosterno-me diante delas. Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as. Amo tanto as palavras. As inesperadas." P. Neruda.




quarta-feira, 16 de março de 2011

Dos meios, dos extremos





Você reclama dos voos: muito altos, rasteiros demais, vezenquando vales imensos de planície árida e inabitada. Nunca ouvi, entretanto, você dizer que queria devolver as asas. Isso é bom. Para mim, ao menos, que penso e sinto igual.
Sim, é essa a imagem: você me pensa como figura alegórica alva, branda, suave, ave em voo pleno, sustentação perfeita dividindo o céu e a terra, braços em balé delicado a singrar o ar e as durezas pontiagudas dos topos. (Sim, também podem ferir).
Mas veja. Assim como nós somos relativos*, também o é a visão ao ter, incidindo sobre ela, dentre tantas nuances, o viés da distância: é a distância entre nossos olhares o que te poupa dos meus abismos derradeiros e voos intergalácticos, sem bússola ou capacete. Você não conhece em verdade, meu planar de asas em meio à dor (sim, eu: planador), nem o sonoro zunido de mil lanças quando tenho pressa de chegar a algum alto mais alto que outrora. Nessas minhas intempéries, a sustentação no ar, você não me imagina: haja fôlego, pétalas aladas, coração. Não, não há rosa-dos-ventos, tampouco um norte possível. Não se engane comigo – ou engane-se, se quiser-, mas adianto: o “planar” no qual me sentes só pode ser visto à margem daquela foto antiga, de há quatro ou cinco anos, em meio a biscoitos de doce de leite, jacarés e cachorros com plumas.
Às vezes, plano sim. Em épocas de desencanto, ou cansaço. Às vezes, na falta sufocante de alguma energia motriz. De uma vontade maior para subir ou coragem menor para descer.
Às vezes, plano sim. Mas, assim como você, por trás do olho persigo é o intento perene: uma vida de intensidades, na qual asas me sejam úteis, e não mera alusão a anjos, pássaros, figuras mitológicas.
Às vezes, plano sim. Mas voos planos são casos incidentais no meu plano de voo.

Quero passear por entre estrelas do céu, e do fundo do mar.



*Que o Tempo Relate

A réplica (ou: conversa de doidos): aqui.

Um comentário:

J.F. de Souza disse...

não invejo os que possuem asas
- também as tenho!

invejo mesmo aqueles que sabem usá-las.

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