Gris
Desço as escadas que dão para a rua fria. Respiro e sinto: a noite é negra como o quê. Perambulo, invento esquinas com personagens insensíveis ao meu desencanto. Todos eles têm mesmo semblante cinza, bochechas pálidas, de um branco sujo. Me recupero no ar gelado, respiro fundo e por instantes tenho certeza de que aqui, há pouco tempo, jazia um coração. Não sei para onde é que foi. Chuto pedrinhas no meio-fio, concreto cinza e grafite: me pareço. Atravesso a ponte e o que vejo são sombras raras, de complexo vislumbre, talvez vestígios de certa solidão: meus irmãos. Olho ao longe, levanto a gola do casaco. Minhas botas são negras, minha roupa, o vento que por mim transpassa não conta nada, a não ser silêncios de lugar qualquer, perdidos derradeiramente. Carros escuros, horizonte em tons de grafite, olhos negros (não os meus), o mundo em nuances opacas. Carrossel em preto e branco. Coração é da cor e pesa: chumbo. Anjos caídos, de longas asas prateadas espreitam-me com olhar paciente, resiliente. Seus olhos são expressivos, mas seus silêncios, mais. Passeio enleada ao pensamento absorto, criando objetos inúteis no meu retrato pintado de não-cor.
Estou presa a essa aquarela mono. Falta um triz. Um eu te amo pra eu enxergar. Um eu te amo, entretanto, que me salve desse chão sujo. Pupilas dilatadas à espreita de azul.
4 comentários:
a espera cinzenta de todos
a cor que não pulsa
dorido, sim. mas um texto de uma beleza negra sem par.
=*
Puxa!
As palavras se fundem..
O sentimento transparece
Quanta beleza, que beleza negra...
Formidavel
descoloridos tons...
Às vezes tocam
outros sons...
bjos
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