"Sim, senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam. Prosterno-me diante delas. Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as. Amo tanto as palavras. As inesperadas." P. Neruda.




quarta-feira, 1 de junho de 2011

Tecidos Breves





 
Rasgo o cetim azul n’onde outrora me enredei. O casulo já não serve ao coração. Frações de anil em forma de mil centelhas de paixonite, bailam agora um balé roto, mambembe. Não que não belo; talvez, indesejado. Belo, ainda assim. O coração dilatou e nele cabem agora, mil agulhas. Na cabeça, o cansaço de tentar coser com linha fina, delicada demais, retalhos, aparas, pedaços que não se juntam, que não se fixam, que não querem ficar. O coração danado, roto, perfurado e com fome, ainda é meu. Amanhã cedo, outrora, outra aurora, vou ao armarinho da esquina; compro lantejoulas e fitas coloridas. Costurarei com cuidado, coração, suas sendas; as acariciarei leve com os dedos, e sussurrando canções de ninar, botarei entre as farpas fitas de Nosso Senhor do Bonfim. Cosê-las-ei com algumas lágrimas, um pesar sincero e a solidão da magnólia de Matisse. E seguirei em frente, como seguem quase todas as mulheres do meu tempo: atravessando caminhos de cetins ora brilhantes, ora desfeitos. Amanhã, hei de preparar meu coração bonito de novo. Mas hoje, ah, hoje doer é preciso. Amanhã enfio em meu peito roupa de festa, o melhor perfume, exibo a jóia que é. Mas por esta noite, que pode ser esta ou mil em uma dessas, segue meu coração esfarrapado, de novo, em novo desalinho.

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